Responsabilidade civil do Estado no fornecimento de medicamentos

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O direito à saúde está abarcado na Constituição Federal de 1988 como sendo um dos direitos sociais, fazendo parte dos direitos fundamentais. O direito à saúde possui dupla natureza, podendo ser considerado um direito difuso como também um direito subjetivo individual. Em se tratando de direito difuso, a saúde deve ser satisfeita através de atitudes positivas do Estado, assim como através de políticas públicas. Já quando é considerado um direito subjetivo individual, este pode ser exigido do Estado através de ação judicial.


Em consonância com a previsão constitucional, os cuidados com a saúde é uma competência comum da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, podendo ser exercida por todos os entes da federação, separada ou simultaneamente, desde que respeitados os limites constitucionais.

Dessa maneira, o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça é que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos, ou seja, qualquer um dos entes federativos podem e devem arcar com o tratamento medicamentoso de seus administrados, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1.      A Corte Especial firmou a orientação no sentido de que não é necessário o sobrestamento do recurso especial em razão da existência de repercussão geral sobre o tema perante o Supremo Tribunal Federal (REsp 1.143.677/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 4.2.2010).

2.      O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos às pessoas carentes que necessitam de tratamento médico, o que autoriza o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam dos referidos entes para figurar nas demandas sobre o tema.

3.      Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1159382/SC, Rel. Ministro  MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 01/09/2010)

Portanto, não é cabível a alegação de nenhum ente federativo referente à ilegitimidade passiva ad causam nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos para tentar se esquivar da obrigação de fazer, uma vez que está bem explicitado, constitucionalmente, o dever dos entes federativos em prestar atendimento médico à população, em sua totalidade, incluindo medicamentos e demais itens necessários a quem necessite e não possa adquiri-los por falta de condições financeiras.

Outro ponto que merece ser destacado é que apesar do remédio não fazer parte da relação disponibilizada pelo sistema único de saúde (SUS), não isenta a Administração Pública do dever de fornecê-lo à população quando requerido para que possa aliviar seu sofrimento e prolongar sua vida, conforme entendimento uníssono do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMBARGOS INFRINGENTES – DIREITO À SAÚDE – MOLÉSTIA GRAVE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – DEVER DO ESTADO – SENTENÇA CONFIRMADA. Dispõe o art. 196 da Constituição Federal que a saúde é direito de todos e dever do Estado que deverá garanti-lo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco à doença e outros agravos. O fato de o medicamento não fazer parte das especialidades disponíveis pela rotina do SUS não exime o Município de fornecê-lo ao usuário que não dispõe de recursos para custeá-lo e necessita urgentemente do tratamento. Embargos Infringentes acolhidos. V.V. (Embargos Infringentes 1.0024.04.518445-4/002, Des. Albergaria Costa, Câmaras Cíveis Isoladas / 3ª CÂMARA CÍVEL, DJ
07/08/2008)


Assim, o direito à saúde, que está relacionado ao princípio maior, que é o direito à vida, sobrepõe-se a qualquer direito patrimonial que possa estar envolvido na lide.

Dessa forma, verifica-se que o Administrador Público não possui a faculdade de se eximir do cumprimento de um dever que dele minimamente se espera.
Mesmo porque, os impostos pagos pela população necessitam de uma contraprestação estatal. Ainda mais quando se trata de educação, segurança pública e saúde. Se o Estado é ineficaz na providência de tais direitos, obrigando aos trabalhadores sobrecarregados pelos impostos a procurar obtê-los na esfera da prestação dos serviços particulares, que pelo menos assegure aos desamparados financeiramente a observância dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna de 1988.

Logo, tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Poder Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

Portanto, é dever da administração Pública garantir aos administrados a concessão de todos os direitos constitucionais existentes, principalmente os mais basilares, como é caso do direito à saúde. Desta forma, qualquer um dos entes federativos tem a obrigação de fornecer medicamentos à população, principalmente àquela que possui baixo poder aquisitivo, de forma a preservar o bem maior de todo ser humano que é a sua vida.

Verifica-se, assim, a manifesta existência de um dever jurídico primário do Estado, a ser cumprido pelas três entidades federativas, que é a prestação da saúde pública (artigo 196 da Constituição Federal). Tal prestação é exigível do Estado ou de qualquer outro eventual destinatário da norma e, se não for entregue espontaneamente, gera violação do direito e confere ao seu titular a possibilidade de postular-lhe o cumprimento, inclusive e especialmente, por meio de ação judicial.

Nesse contexto, o questionamento é o seguinte: Pode o Poder Judiciário determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?


SIM, mas desde que cumpridos três requisitos fixados pelo STJ.

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

1 – Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2 – Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do
medicamento prescrito; e
3 – Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


STJ. 1ª Seção. REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo).

É a posição também do STF:

(…) É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. (…)
STF. 1ª Turma. ARE 947.823 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/6/2016.

Ademais, o Poder Judiciário pode obrigar administração pública a manter quantidade mínima de medicamento em estoque:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENÇÃO EM ESTOQUE. DOENÇA DE GAUCHER. QUESTÃO DIVERSA DE TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. SOBRESTAMENTO. RECONSIDERAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER. PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – A questão discutida no presente feito é diversa daquela que será apreciada no caso submetido à sistemática da repercussão geral no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio.

II – No presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, recorrente, não se opõe a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doença de Gaucher, buscando apenas eximir-se da obrigação, imposta por força de decisão judicial, de manter o remédio em estoque pelo prazo de dois meses.

III – A jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário, para o prequestionamento, que o acórdão recorrido mencione= expressamente a norma violada. Basta, para tanto, que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisão recorrida.

IV – O exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes.

V – O Poder Público não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Precedentes.

VI – Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 429903, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 25/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 13-08-2014 PUBLIC 14-08-2014)

E se o medicamento não tiver registro na Anvisa, é possível exigir da mesmo maneira do Estado? SIM, mas o Supremo Tribunal Federal impõe restrições.

Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a possibilidade de juízes obrigarem o poder público a fornecer medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que respeitados alguns critérios e vedados os remédios experimentais que ainda não passaram por testes.

Prevaleceu o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que elaborou uma tese, espécie de resumo do que foi decidido. A regra deve ser a necessidade de registro na Anvisa, mas foram permitidas algumas exceções. É preciso, por exemplo, que já exista pedido de registro do remédio na agência e que ela esteja demorando mais tempo do que o previsto em lei para concluir a análise. O prazo vai de 120 a 365 dias.

No caso das doenças raras e ultrarraras, em que muitas vezes os laboratórios deixam de solicitar registro no país por considerar economicamente desinteressante, não será exigida a existência de um pedido na Anvisa. São os chamados “medicamentos órfãos”.

Os ministros estabeleceram várias restrições e vedaram os medicamentos experimentais que ainda não passaram por testes de segurança. A ação analisada trata de um caso específico, mas te repercussão geral. Assim, a decisão tomada pelo STF terá de ser seguida por juízes e tribunais de todo o país.
Outro ponto exigido é a existência de registro (e não apenas do pedido de registro) do remédio em renomadas agências de regulação no exterior. Também não poderá haver um substituto terapêutico já registrado no Brasil.

Além disso, as ações judiciais deverão ser direcionadas contra a União, e não contra os estados e municípios. Isso não significa que os gastos serão arcados pelo governo federal. A definição de quem paga a conta será feita em outro julgamento.


Outros dois requisitos não estão na tese, mas aparecem no voto de Barroso e por isso também serão exigidos: um laudo médico atestando a necessidade do remédio e a comprovação de falta de condições financeiras.

Ademais, os pacientes deverão comprovar que não conseguem comprar os medicamentos. O direito à saúde faz com que excepcionalmente possa ser determinado (o fornecimento de remédio sem registro). Assim, é preciso demonstrar que tanto o paciente quanto sua família não têm condições de pagar pelos medicamentos.

Toffoli citou uma lei segundo a qual há apenas uma possibilidade de liberar medicamentos não registrados. Para ele, não deve haver outras exceções.
Também entendeu que a aprovação por agências estrangeiras não deve eximir a Anvisa de fazer sua própria análise, levando em conta a realidade brasileira. A lei citada por Toffoli atribui à própria Anvisa a tarefa de dispensar registro aos “imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas”. É tamanha a importância do registro do medicamento em órgão regulador que o artigo 273, parágrafo 1º-B (do Código Penal) prevê a criminalização da comercialização de produto sem registro no órgão regulador — disse Toffoli.

Assim, o Plenário do STF fixou a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral:

1 – O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2 – A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3 – É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; 
III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

4 – As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União. 

Fonte:  carreiradoadvogado

 

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