Meu ex comprou uma casa. Minha filha tem realmente direito sobre o bem?

 

Pergunta da leitora: O pai da minha filha faleceu em 2015 e nós estávamos separados desde 2008. Ele vivia em união estável com uma mulher por três anos e, em 2014, eles compraram uma casa em nome dele. Minha filha tem direito a uma fatia do imóvel?

Resposta de Rodrigo Barcellos*:

Partindo da premissa de que o pai de sua filha mantinha união estável sem reconhecimento formal ou, se formalizado, tenha adotado o regime legal e supletivo da comunhão parcial de bens, todo o patrimônio amealhado a título oneroso na constância da união se comunica, pertencendo ao casal em mancomunhão, isto é, estado de indivisibilidade de bens em que o casal é titular de 100%, independentemente de quem constar nos registros.

Assim, a companheira terá direito à 50% dessa casa a título de meação. A outra metade constitui a herança, objeto da sucessão propriamente dita, no qual participam tanto a companheira, quanto os filhos do falecido.

Imaginando-se que o pai de sua filha tenha deixado apenas um descendente, aplica-se a regra prevista no artigo 1.790, inciso II, do Código Civil, que assim dispõe:

“A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições: II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um deles”.

Isso significa que, em relação à herança (metade do bem imóvel), a companheira terá direito à 1/3 (“metade do que couber ao filho”) e sua filha terá direito a 2/3.

Ao final, em relação à 100% do bem imóvel, sua filha terá participação de 33,333% e a companheira do pai dela terá direito à 66,666% (50% + 16,666%).

Importante mencionar, por fim, que o artigo 1.790 do Código Civil está sob análise pelo Supremo Tribunal Federal. Em recente julgamento analisando pela Suprema Corte, nos autos do Recurso Extraordinário nº 878.694-MG, sete ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no tocante ao regime sucessório.

O Relator do caso, Ministro Luis Roberto Barroso, sugeriu a aplicação de tese segundo a qual deve ser aplicado o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil, que regula o casamento. O aludido Ministro Relator consignou, ainda, que a decisão terá eficácia em todos os inventários em curso, desde que não finalizados por sentença judicial transitada em julgado.

Em outras palavras, caso o julgamento se confirme antes da conclusão do inventário do pai de sua filha, poderá ser aplicada a regra do art. 1.829 do Código Civil, garantindo à companheira, no que se refere aos bens adquiridos onerosamente na constância da união (o bem imóvel, no seu caso), tão somente o direito à meação. Ou seja, sua filha participará da sucessão como única herdeira, recolhendo 100% da herança ou 50% do bem imóvel e a companheira terá direito apenas a 50% do bem imóvel, à título de meação.

*Rodrigo Barcellos é graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e mestre em direito comercial, pela Universidade de São Paulo (USP). É autor do livro “O Contrato de Shopping Center e os Contratos Atípicos Interempresariais”, publicado pela editora Atlas. Sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, atua nas áreas de Família, Sucessão, Contratos e Contencioso.

Fonte: Exame

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